Viagem antropológica
Falar sobre voltas em geral é quase sempre lugar comum. Você cai de paraquedas de um mundo que é só novidades para aquele ao qual você está acostumado. Ou seja: a realidade, nua e crua. Não que esteja reclamando da minha. De jeito nenhum, afinal, ainda estou de férias! Passaram apenas sete dias - tempo suficiente para Deus criar a terra e as criaturas - e é dessas últimas que vou falar agora.
Hora do embarque. Primeiro destino: Brasília. Vôo tranqüilo, pouca gente, as velhas barrinhas. Para levar meu vinho caseiro, tive que comprar uma QUEM para conseguir uma sacola. Li as primeiras páginas, deixei na cadeira ao lado, para a velha soneca. Na hora do pouso, a revista cai no chão e vai deslizando pelo corredor mais rapidamente do que eu conseguiria capturá-la. E a voz insistente: continuem com os cintos afivelados... continuem sentados... Enfim.... Fui até o chão, ver se conseguia avistar a dita. Nada. Mas certante ela teria ebarrado no primeiro pé da primeira cadeira ocupada.
O avião parou e finalmente pude ficar de pé para procurar. Eis que vejo uma senhora distinta, ao lado do seu filho excepcional e do seu marido, que carregava uma bolsa que provavelmente tinha um notebook dentro. A mulher segurava a minha revista. Esperei uma reação, qualquer ato que fingisse localizar o dono do objeto perdido... nada! Foi quando vi a criatura enfiar a QUEM dentro da bolsa que ela tinha acabado de puxar do maleiro. Pior que eu não tinha nem como provar que a revista era minha. Foi então que a mulher, com o filho especial, perdeu todo o meu apreço.
PAUSA EM BSB - Umas horinhas em Brasília para seguir o roteiro final: Recife. Vôo lotado das mais diversas faunas. Empacotados falando com sotaque de Caruaru sobre a conjuntura política do leste europeu, famílias em busca de um solzinho em Porto de Galinhas... E a gente na cadeira que fica em frente à saída de emergência!
A aeromoça, loira, muito maquiada, fazendo questão de ser simpática nos ofereceu duas cadeiras que estavam vagas logo alí na frente. Do meu lado esquerdo estava uma garota com cabelos encaracolados, com um tomara-que-caia do Mickey e uma jaqueta jeans no colo. Usava um anel de coco no dedo e uma pulseirinha com vários dentes de bicho, que não consegui identificar qual era... No braço, trazia uma grande tatuagem, mal feita, com alguns símbolos geométricos. Símbolos parecidos com o tatuado no braço do amigo dela, este um negro que, se estivesse no Rio, seria funkeiro, mas não com aquele bigode metade pra cima raspado, metade pra baixo - mais perto do lábio de poucas carnes - inteiro.
Logo vi que tratava-se de uma comunidade que viajava unida. Eles tinham traços muito parecidos - fora a tatuagem - que a velha gorda dos cabelos longos, sentada atrás, com uma muda de uma planta, também possuia - tinham também um cheiro de poucos banhos. Percebi que seria uma longa viagem, e tratei de respirar pela boca. A essa altura do campeonato, nossas cadeiras originais já haviam sido ocupadas. Era o jeito tentar adormecer, para ver se adormecíamos também os sentidos. Nada feito.
O grupo era ainda mais interativo do que eu esperava. Atrás, o rapaz que seguia na janela estava completamente bêbado e confessou à velha gorda: "essa cachaça vai me fazer mijar muito". O problema é que, cada mijada dele, significava uma sacudida muito forte na MINHA cadeira. Pedi por tudo que fossem apenas elocubrações etílicas e ele conseguisse tirar toda a água do joelho de uma só vez. Enquanto o cara de trás me ocupava os pensamentos, o da frente já tinha chamado a aeromoça - com uma feição cada vez menos simpática - umas três vezes. Ele achou bonitinho ficar apertando o botão. Então eu pensei com os meus: "essas passagens de R$ 50..."
Ainda não estava completamente familiarizado com o grupo e não entendia os símbolos e os elementos que os uniam. Até que o inquieto companheiro de viagem da frente puxou uma sacola com as inscrições "Conferência Nacional de Saúde Indígena". Estava explicado... E eu fiz uma força tremenda para me despir dos preconceitos do início... Embora esse exercício de cidadania não permitisse que meu nariz começasse a sentir o odor das flores do campo aos quais eles estavam acostumados a dançar o toré. Mas a turminha incomodou, viu? Não só a mim... Mas a todos num raio de 1 km dentro do avião. Ouvi até um urubu que passou na janela reclamar...
Mas terminei mais tranquilo a descobrir a origem aborígene dos meus amigos. Pelo menos eles têm licença poética para isso, concordam? Triste da mulher civilizada que levou minha revista. A essa eu não perdôo.
Hora do embarque. Primeiro destino: Brasília. Vôo tranqüilo, pouca gente, as velhas barrinhas. Para levar meu vinho caseiro, tive que comprar uma QUEM para conseguir uma sacola. Li as primeiras páginas, deixei na cadeira ao lado, para a velha soneca. Na hora do pouso, a revista cai no chão e vai deslizando pelo corredor mais rapidamente do que eu conseguiria capturá-la. E a voz insistente: continuem com os cintos afivelados... continuem sentados... Enfim.... Fui até o chão, ver se conseguia avistar a dita. Nada. Mas certante ela teria ebarrado no primeiro pé da primeira cadeira ocupada.
O avião parou e finalmente pude ficar de pé para procurar. Eis que vejo uma senhora distinta, ao lado do seu filho excepcional e do seu marido, que carregava uma bolsa que provavelmente tinha um notebook dentro. A mulher segurava a minha revista. Esperei uma reação, qualquer ato que fingisse localizar o dono do objeto perdido... nada! Foi quando vi a criatura enfiar a QUEM dentro da bolsa que ela tinha acabado de puxar do maleiro. Pior que eu não tinha nem como provar que a revista era minha. Foi então que a mulher, com o filho especial, perdeu todo o meu apreço.
PAUSA EM BSB - Umas horinhas em Brasília para seguir o roteiro final: Recife. Vôo lotado das mais diversas faunas. Empacotados falando com sotaque de Caruaru sobre a conjuntura política do leste europeu, famílias em busca de um solzinho em Porto de Galinhas... E a gente na cadeira que fica em frente à saída de emergência!
A aeromoça, loira, muito maquiada, fazendo questão de ser simpática nos ofereceu duas cadeiras que estavam vagas logo alí na frente. Do meu lado esquerdo estava uma garota com cabelos encaracolados, com um tomara-que-caia do Mickey e uma jaqueta jeans no colo. Usava um anel de coco no dedo e uma pulseirinha com vários dentes de bicho, que não consegui identificar qual era... No braço, trazia uma grande tatuagem, mal feita, com alguns símbolos geométricos. Símbolos parecidos com o tatuado no braço do amigo dela, este um negro que, se estivesse no Rio, seria funkeiro, mas não com aquele bigode metade pra cima raspado, metade pra baixo - mais perto do lábio de poucas carnes - inteiro.
Logo vi que tratava-se de uma comunidade que viajava unida. Eles tinham traços muito parecidos - fora a tatuagem - que a velha gorda dos cabelos longos, sentada atrás, com uma muda de uma planta, também possuia - tinham também um cheiro de poucos banhos. Percebi que seria uma longa viagem, e tratei de respirar pela boca. A essa altura do campeonato, nossas cadeiras originais já haviam sido ocupadas. Era o jeito tentar adormecer, para ver se adormecíamos também os sentidos. Nada feito.
O grupo era ainda mais interativo do que eu esperava. Atrás, o rapaz que seguia na janela estava completamente bêbado e confessou à velha gorda: "essa cachaça vai me fazer mijar muito". O problema é que, cada mijada dele, significava uma sacudida muito forte na MINHA cadeira. Pedi por tudo que fossem apenas elocubrações etílicas e ele conseguisse tirar toda a água do joelho de uma só vez. Enquanto o cara de trás me ocupava os pensamentos, o da frente já tinha chamado a aeromoça - com uma feição cada vez menos simpática - umas três vezes. Ele achou bonitinho ficar apertando o botão. Então eu pensei com os meus: "essas passagens de R$ 50..."
Ainda não estava completamente familiarizado com o grupo e não entendia os símbolos e os elementos que os uniam. Até que o inquieto companheiro de viagem da frente puxou uma sacola com as inscrições "Conferência Nacional de Saúde Indígena". Estava explicado... E eu fiz uma força tremenda para me despir dos preconceitos do início... Embora esse exercício de cidadania não permitisse que meu nariz começasse a sentir o odor das flores do campo aos quais eles estavam acostumados a dançar o toré. Mas a turminha incomodou, viu? Não só a mim... Mas a todos num raio de 1 km dentro do avião. Ouvi até um urubu que passou na janela reclamar...
Mas terminei mais tranquilo a descobrir a origem aborígene dos meus amigos. Pelo menos eles têm licença poética para isso, concordam? Triste da mulher civilizada que levou minha revista. A essa eu não perdôo.
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